Ah, quanta estupidez sua, menina! – e assim é tua voz se misturando a minha.
Eu menti. Muitas vezes. Mais pra você do que pra mim: já me fingi malandra, de descrente, de fria e calculista. Sou quente e letrista. Será meu erro não confessar? Orgulho meu. Digo não a você, mesmo que o sim salte pelos meus lábios e escorra de encontro a essa tua boca tão sarcástica, tão sedutora. Já errei tanto! Todas aquelas letras embaralhadas nunca fizeram sentido, e eu sempre acabo por cometer o mesmo erro. Nossos sonhos possuem notas diferentes. Sonhas? Máquinas não. És uma máquina? Ás vezes parece, e às vezes me perco com as brechas que encontro pelo caminho, e que me faz te sentir carente, quase humano. Aquele que vibra, mesmo por dentro, com todas as partidas que me deixou ganhar. E que deixou apenas por deixar.
- Eu nunca fui sensata ao teu lado.
De tudo, o mais bonito foi o teu sorriso. De soslaio, mas eminente. Quente. Ah, guardei-o pra mim. Fiz promessa pra dele sempre lembrar, mesmo que impossível fosse esquecer. No toca-fitas do carro, aquela mesma canção se repetia incansavelmente, e eu tenho alma velha quando me digo uma incerteza-certa-romântica sem começo ou fim. Na realidade, está sempre presente, incurável. Entre tantos jardins, flores minhas querem desabrochar logo neste teu terreno tão baldio, desprovido de vida. Ingratas. Uma virtual conversa, uma saudade real. E já foram tantas conversas inacabadas, que o desejo de não havê-las começado nunca existiu: era um sentimento tão teimoso quanto eu. Um tempo bom aquele. Sem pressa, sem hora pra dormir, ou pra acordar – e se acordar preciso fosse, seria com você ao lado. Penso, talvez, que eu esteja errada. Quero desesperadamente estar. Por trás de tantos escudos, talvez haja alguém que acredite no amor, mesmo que esse não incendeie por mim. Já fiz tantas apostas também! Já perdi outro tanto, porque eu sempre aposto alto, e minhas fichas tem sido todas em vão. Posso até escutar teu riso, tuas palavras irônicas a me chamar da boba que sou. Insensatez minha.
Avisa lá que tô chegando, então. Avisa pra esse meu eu-lírico. Avisa que eu quero roubar essa moça e levá-la pra onde não deveria ter saído. Avisa também que ela não tem passagem de volta, e a ida foi tempestuosa. Avisa. Mas não esquece que quando ela se finge de fria, o calor do tal moço aí faz derreter. Avisa que ela tem asas, mas não auréolas. Avisa que insensatez é bom. Avisa que ‘esquecer da vida’ é exatamente ao contrário: é lembrar-se constantemente de como ela deve ser vivida. Só não deixe de avisar. Ela quer o avesso do inteiro, ela quer o arrebate final. Ela simplesmente quer. Avisa...
No nosso último vôo, uma das minhas asas quebrou. A dor insistente me emprestou o receio de viajar sob o alaranjado do pôr-do-sol, sombreando toda a paisagem infinita de norte a sul. No entanto, novamente apareceste, carregando aquele olhar decidido, uma voz deliciosamente rouca, pronunciando palavras medidas. Foi o antídoto para a cicatriz. Tuas asas foram as minhas. Em casa manobra radical, eu fechava os olhos e permitia que me conduzisses. Eu era só emoção, aprendendo a controlar minha vida num tabuleiro, agora, sem o teu cavalheirismo.
A cada casa colorida, um avanço com palavras em falso, e um crescente frio a nascer na barriga e subir pela garganta, daqueles desesperados durante a decolagem para uma viagem inventada. Em especial quando o cérebro envenena o corpo com adrenalina, misturando em doses perfeitas: medo e prazer. Na chegada. Foi o [des]encontro da imaginação com a razão. Era o silêncio elucidando o inexplicável. Sem cenas românticas, sem frases clichês, sem perguntas retóricas ou respostas alucinadas. [re]Nascia, ali, o sentimento. Adormecido. Atormentado. Amortecido. Desarmado. [diz]Amado.
Nenhum desmaquilante apaga essa ironia, misturada com tristeza, do teu rosto. A vida real é intolerável, querido? Talvez o sorriso limpo te faça humano. E o medo, como tantas vezes tu insististe em dizer, não faz parte do teu vocabulário. E a nossa fuga? Juntos! Mas em direções opostas. Não foi medo? Provavelmente dirás, secamente: Não! Sem voltar a pensar na pergunta, para não sentir o sangue quente correndo nas veias revelar todas as tuas dúvidas de ser humano. Esqueço, a realeza tem inspiração divina.
O teu Rei passeava pelo reino, desprotegido, tentando convencer a minha Rainha de toda a beleza de Pasárgada. Eu temi, alertei-a, mas o teu poder de persuasão sempre foi além de toda minha destreza com as palavras. Eu perdi! Ou ganhei? Xeque, rainha, mate, rei.
Com Jússia, minha irmã paraense.
Ps: Obrigada por ter aceito compartilhar comigo, anjo. Só posso dizer que teu carinho é sempre recíproco. Não poderia estar mais feliz. Foi o complemento mais que perfeito. Sonhos que se constróem juntos.